12 novembro, 2006

A imortalidade

Milan Kundera é um daqueles escritores do qual de tempos em tempos procuro ler alguma coisa. Devo ler um livro dele a cada dois anos e algumas releituras em intervalos semelhantes. Mesclando literatura, filosofia e investigações acerca do espírito humano, ler Kundera é sempre um prazer. Retiro as reflexões seguinte do livro A imortalidade, minha última incursão na obra do autor.

Kundera, e antes dele Goethe, fala não sobre a imortalidade da alma, mas de uma imortalidade profana, daqueles que permanecem na memória coletiva, na história, depois de mortos.

Porém, além da opção de alcançar ou não a imortalidade, há, nesta, a nítida distinção entre pequena imortalidade e grande imortalidade. A pequena é a recordação de um homem no espírito daqueles que o conheceram, e a grande, a recordação de um homem no espírito daqueles que não o conheceram. Muitos ao tentar adentrar na grande imortalidade, mal alcançam a pequena e acabam por perder ao menos uma imortalidade digna, quando não uma mortalidade ao menos respeitável.

Mas continuemos a exposição, auxiliado por Milan Kundera e Goethe.

Existem carreiras e posições que, por princípio, confrontam um homem com a grande imortalidade, incerta, mas possível: as carreiras de artista e de homem de Estado.

E estes são os mais afetados por alcançar a imortalidade. O homem deseja a imortalidade, muitos desses a querem a qualquer custo. Porém a imortalidade deve ser um processo e um dia um desses pretensos imortais se deixa enganar pelo ego e busca elevar, por exemplo, versos vazios ou fotos de vitrines ao estatuto de arte, sem, obviamente, critérios e qualidades válidos para tal. Não que isso seja determinante absoluto na retirada do nome de alguém do hall da imortalidade ou da mortalidade digna, mas é um sinal desesperado de querer se manter na lembrança.

Pertinente, vale citar o clássico caso de se sair de uma atividade ainda no auge, a grande imortalidade aí está quase garantida enquanto que atividades levadas à exaustão, aquém da qualidade conquistada no passado, geralmente levam a conquista de pena ou nem isso.

Prosseguindo: em uma trajetória de razoável busca e aquisição de elementos para o alcance da imortalidade, o ego pode pôr tudo a perder e em um reverso maligno, uma trajetória com alguma glória vê-se ofuscada por um patetismo (às vezes um acúmulo deles) que se transformará na parábola de toda sua vida. Nesse caso pode não se perder a imortalidade, mas também não se conquista uma respeitável, conquista-se, geralmente, uma imortalidade risível.

Kundera cita vários exemplos de imortais risíveis, do presidente estadunidense Jimmy Carter ao astrônomo Tycho Brahé, hoje não mais lembrado, salvo pelo célebre jantar na corte imperial de Praga em que ele refreou pudicamente sua vontade de ir ao banheiro, até que sua bexiga explodiu, e ele, mártir da vergonha e da urina, foi prontamente juntar-se aos imortais risíveis.

O único nome que me vem à mente quando penso em alguém que alcançou tanto uma grande imortalidade quanto uma imortalidade risível, foi Napoleão. Conquistador e grande estrategista, perdeu sua última batalha para o frio, entrando pra história das piadas vulgares com a imagem de seu corpo recolhido e a bunda levantada aos ares. Posição ridícula dada a ele pela derrota, tornou-se metáfora da posição que leva a derrotas ridículas.

Coincidentemente ou não, um dos maiores deflagradores da derrota de Napoleão foi seu ego.

O que tudo isso tem a ver com fotografia?

Nada a não ser que fotografia é uma arte feita por pessoas, alguns alcançam a pequena mortalidade, outros a grande, uma parcela a imortalidade risível, a grande maioria o esquecimento.

Eu de minha posição, admiro os grandes imortais, convivo com alguns fotógrafos (que chegarão a ser grandes) e rio dos mortais risíveis (porque não passam de piada e não, estes não alcançarão a imortalidade).

Tomem esse texto como uma resenha, uma reflexão, um esporro ou como bem queiram.

E nomeiem se preferirem seus mortais e imortais risíveis.

À bientôt!